sexta-feira, 27 de maio de 2016

Racional.

Então eu me vi ali, confirmando a única dúvida que nunca tive. Em minhas costas estende-se um passado de lágrimas secas e pensamentos ensurdecedores. Por quê comigo? Por quê agora? Torna-se impossível me reconhecer a esse ponto. Passo de vírgula a um infeliz e deprimente ponto final e pela primeira vez me fogem as palavras. Perdida entre um maremoto de acusações, noto que a palavra que nunca me deu sentindo, agora marca minha alma como uma tatuagem indesejada e irremovível. Me vejo como um poço cheio até a boca e desesperadamente atiro o balde na escuridão. A surpresa me acomete sem que haja tempo de respirar uma única vez quando constato que a água que me refrescava a alma era de dúvidas e constatações. Os sentimentos há muito foram sufocados pelo medo, como uma erva daninha que se espalha e mata tudo aquilo que um dia poderia vir a florescer. Não há saída. Quanto mais eu me questiono, mais imersa estou na escuridão em que me precipitei, vencendo de alguma forma a barreira do não-pensar. Sinto, gota após gota, a água preencher meus pulmões até que encontro, de forma quase inesperada, uma luz que brilha dentro de mim. De início é com uma faísca, mas rapidamente se torna um sol incandescente. Queimando e corroendo minha essência em uma dor insuportável. Tudo agora é luz e também é escuridão. Acordo e já não sou mais a mesma. Eu morri. Mas é estranho porque, de alguma forma, eu também renasci. Desta vez eu sinto e um único sentimento é capaz de dar sentido a todos os outros. Seco uma lágrima e imploro: que esta seja apenas a primeira vez.

Heroína.

Deu vontade de te contar que eu tô bem. Acho que não te interessa saber disso e é um puta egoísmo meu bater na sua porta pra te incomodar por um capricho meu, mas você me conhece. Nunca pensei muito em você porque eu sempre fui prioridade. Eu não tava nem aí pras suas vontades mesmo. Eu fazia o que queria, quando queria e quando você discordava eu virava as costas e ia embora. Eu te traí. E o peso foi tanto que eu não fui capaz de dividi-lo com você, pois sei que você nunca mereceu carregá-lo. Você não mereceu o meu descaso, você não mereceu meus xingamentos inapropriados, as críticas duras, os beijos que troquei com outra pessoa enquanto você me esperava. Eu achava que te ajudava, enquanto me afundava. Éramos dois perdidos e eu teimava em te carregar pelos caminhos que julgava serem os certos. Não eram. Não eram os certos naquele dia, nem naquela hora, nem seriam hoje. Eu precisava de ajuda enquanto tentava te ajudar. E hoje eu sei que você não me pediu isso. Eu é que inventei essa mania de querer salvar você. E eu salvaria. Mas antes eu precisava ser salva. Me desculpe. Adeus.

terça-feira, 24 de maio de 2016

Bifurcação.

Acabou. Não foi nada combinado. Aconteceu, sabe? Nos encontramos numa encruzilhada de destinos e não houve tempo para mudar de rota. Seguimos, cada um por uma estrada, sem nos darmos conta de que ao final poderíamos estar a quilômetros de distância um do outro. Não havia mapa, nem destino certo. Aquele era apenas o começo de nossa jornada. O horizonte convidativo brilhava a nossa frente. Nossos corpos se agitavam diante das incontáveis possibilidades. Alguém nos disse que poderíamos voltar e acreditamos que aquele instante estaria ali, a nossa espera, para sempre. Não prometemos voltar, pois nunca concordamos em partir. Apenas continuamos nossa caminhada passo após passo, dia após dia, ano após ano. E o tempo apagou nossos rastros. Minguaram-se as lembranças. Morreram os sonhos. Perdemo-nos de nós mesmos.