Eu queria um amor desses que a gente lê por aí. Cheio de músicas velhas e
revolucionários de outra geração. Um amor de vinil, de brechó, de roupas
furadas e cheias de histórias. Queria um amor de boteco, regado a cerveja,
cigarros e discussões cheias de ideais. Queria um amor de paredes pintadas, sofás
rasgados, poemas espalhados pelo chão, noites mal dormidas, esmaltes
descascados. Sem planos, sem hora, sem medo, mas com muito batom vermelho
rabiscado no espelho. Queria um amor pra deitar em seus braços e olhar a rua do
alto de um prédio, brincando de Deus. E depois olhar pro céu, pensando em
estrelas candentes e planetas velhos. Queria um amor de penteadeira, de pó de
arroz e de all star sujo com a sola descolada. Queria um amor que fosse todo ele
pra completar o ela que existe em mim. Sem
regras, nem tabus. Um amor de elogios complexos, observações particulares e
emoções incompreendidas explodindo no peito. Um amor de dois. Com chocolate
barato, flores roubadas no jardim da vizinha, comida fria sobre a mesa e beijos
quentes em qualquer lugar. Queria um amor de versos, prosas e palavras gritadas
no meio da rua, alcançando o outro lado da calçada. Um amor de palco, de tela,
de cabines fotográficas e poses vergonhosas. Queria um amor de camisetas brancas,
braços fortes, meias gastas, e restos de tinta nas pontas dos dedos. Um amor por
inteiro, sem meias palavras. Uma amor da década passada, sem futuro e sem
presentes comprados. Um amor de ler, de amar e de sentir falta depois que a
gente escreve a ultima página de uma longa história.
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
terça-feira, 21 de agosto de 2012
O Ladrão de Mães.
Todos
os dias Joana de despedia da patroa às dezessete em ponto, segurando sua sacola
listrada em azul, vermelho e amarelo e caminhava dois quarteirões, debaixo de
sol ou de chuva, rumo ao ponto de ônibus. Aquela não foi a vida que sonhou ter,
mas era aquele trabalho que tornava sua realidade um pouco mais suportável.
Filha da lavradores, soube desde cedo que, se não estudasse, iria terminar como
a mãe, cuidando da casa e dos filhos. A falta de dinheiro porém a afastou dos
estudos e, para não seguir o caminho da mãe, Joana se mudou para a cidade e acabou
cuidando da casa e dos filhos dos outros. Acordava todos os dias às cinco
horas, solitária naquele cômodo frio que conseguira alugar com alguma sorte no
centro da cidade. O que Joana tinha era pouco, mas bastava. Depois de se
levantar, preparava um café preto, procurava por algum biscoito esquecido no
fundo de alguma lata e seguia para a casa de dona Laura, uma jovem senhora que,
por trabalhar fora, contratou-a para ajudar com a limpeza da casa e para olhar
seus filhos, muito bem educados e já em idade de alfabetização. Joana os
tratava com se fossem seus próprios filhos, ora fazendo as vontades, ora
corrigindo com palavras severas algum comportamento inapropriado. E foi numa terça-feira
ensolarada que a história de Joana mudou. Assim, de repente, como um sopro de
vento que balança as folhas antes de uma tempestade, Joana, que seguia a
caminho do ponto de ônibus com sua sacola listrada, resolveu continuar andando
rumo a sua casa, aproveitando os últimos raios de sol e o calor suave daquela
tarde de verão. Caminhava olhando para o chão e espiando o céu, pensando em
como chegara ali, como perdera seus pais cedo, como seus irmãos haviam se
separado em diferentes caminhos, como encontrara dona Laura em um mercado comum
e conseguira aquele emprego que, há tantos anos, dava algum sentido a sua vida.
De repente, um som de carro. A porta batendo forte. O rapaz se aproximando dela
sem que conseguisse ver seu rosto. O capuz de lã quente sendo enfiado em sua
cabeça de modo grosseiro e seu corpo sendo encolhido e depois apertado contra o
banco de couro. O som do carro partindo. A partir dai, Joana se perdeu entre o
medo e uma espécie de sono, repetindo orações desconexas e palavras que voavam
soltas no vento que entrava e saia pela janela aberta. Suas mãos estavam presas
e alguém estava sentado ao seu lado, com uma respiração quente e silenciosa,
sem emitir qualquer palavra. O carro seguia em velocidade constante, virando
aqui e ali, enquanto Joana transpirava dentro do capuz de lã. Ela nunca saberia
dizer por quanto tempo ficou dentro daquele carro ou por quantas ruas passou
durante aquele período de medo sem fim, quando de repente acordou em um quarto de
paredes lilás. A cama em que estava deitava era macia, e, embora ainda vestisse
as mesmas roupas que usava ao sair da casa de dona Laura, sentia-se descansada,
com o rosto limpo e as mãos livres. Sobre seus pés estava uma linda colcha de
patchwork. Joana olhou ao redor, desconfiada, sem entender onde estava ou se
aquilo era na verdade, um sonho. Chegou até mesmo a pensar que estivesse morta,
mas tudo era real demais. O cheio de alfazema saindo do travesseiro, os lençóis
macios, a penteadeira branca com seu lindo espelho recortado em formato de
coração e um vidrinho de perfume sobre ela. Pegou-o nas mãos, segurando firme e
quase se perdeu entre seus pensamentos enquanto a essência de Jasmim penetrava
em sua pele. Lembrava-se daquele perfume porque, na casa onde passara sua
infância, costumava sentar-se debaixo de uma pequena árvore de folhas e flores
miúdas, fechando os olhos e sentindo aquele aroma levemente adocicado. Aquele
quarto era perfeito em todos o sentidos, a delicadeza, a doçura, o vaso com
flores recém colhidas sobre o parapeito da janela, as cortinas de renda, o
tapete bordado com muito cuidado e atenção. Joana pensou em seu cômodo no
centro da cidade, em como tentara fazer daquele pequeno espaço um verdadeiro
lar e em como, depois de alguns meses, desistira, rendendo-se ao ambiente
pesado e úmido e deixando de lado toda sua criatividade e disposição para
trabalhos manuais, como aquele tapete que ela não se cansava de admirar. Depois
de alguns minutos observando cada detalhe daquele lugar desconhecido e, ao
mesmo tempo, tão aconchegante, ouviu a maçaneta da porta girar. A porta se
abriu lentamente, deixando apenas uma fresta convidativa, esperando que a
curiosidade vencesse o medo e que a própria Joana viesse ao encontro do
desconhecido. E foi o que ela fez, pisando suavemente para não fazer barulho no
assoalho impecavelmente encerado, empurrou a porta, encontrando um lindo salão
com uma grande mesa a sua frente. Neste instante uma criança de aproximadamente
cinco anos de aproximou de Joana, abraçando com muita força suas pernas e
puxando suas mãos. Joana se sentiu tocada com o carinho daquela criança que,
numa ato de pura ingenuidade a chamou de mãe. A vida não lhe dera a
oportunidade de gerar, em seu próprio ventre, um bebê cor-de-rosa e sorridente,
como muitas vezes sonhara em ter. Mas lhe dera todo amor necessário para ser
mãe, de coração. Aquela palavra, dita por aquela criança maravilhosamente
perfeita, despertou em Joana um sentimento já conhecido, mas infinitamente mais
intenso do que aquele que sentia ao ajudar os filhos de dona Laura a terminar a
lição de casa. Mas a menina ou não viu, ou ignorou as lágrimas emocionadas no
rosto de Joana e encaminhou-a até um lindo jardim onde outras crianças
brincavam. Todas elas, ao verem Joana, vieram ao seu encontro, com sorrisos
largos e fáceis, abraçando cada pedacinho dela que pudessem alcançar. Porque
aquelas crianças a chamavam de mãe? Porque elas tocavam seu coração de maneira
tão profunda e gentil e por que, ao ver seus rostinhos, Joana agradeceu do fundo
de seu coração por ter entrado naquele carro e ter podido viver este momento?
Joana nunca soube do porque fora escolhida, mas continuou naquela casa durante
toda sua vida, cuidando daquelas e de outras crianças que apareceram,
abandonadas, tristes, feridas. Outras mães também apareciam por lá, outras mães
de coração, que carregavam consigo o dom supremo do amor. Mães que não tinham
família. E elas se tornaram todas mães de verdade, no dia em que aquele carro
parou na rua e aquele capuz preto lhes fora colocado na cabeça. Afinal, não é
assim que uma mulher se torna mãe?
Chuvisco.
Os pés descansando, o cabelo voando a garoa molhando tudo ao redor. Eu olhava
para baixo enquanto o sorvete de duas cores se contorcia na casquinha firme em
minhas mãos. Num gesto sutil levei a primeira colherada daquela massa gelada à boca. O sabor não era doce o bastante, nem
amargo o suficiente. Mas, assim como a vida, eu o saboreei, até o fim.
SOS
Porque eu não consigo notar em você a
tristeza que vejo nítida nos olhos de outro? Porque seus desabafos não apertam
meu coração e a compreensão não mais faz
parte de nós? Aliás, você me disse que havia algo entre esse nós. Será que você
não vê este abismo? Este espaço cheio de ar sujo que permeia entre ambos, com
suas tristezas, dúvidas e xingamentos silenciosos? Onde foi para a alegria do
seu sorriso? Me leva pra lá também, pra encontrá-la e ser feliz de novo. Você
diz que não consegue levantar, então me deixa sair daqui, caminhar. Eu volto
pra me deitar com você quando o dia acabar, mas não me prenda na sua tristeza
que começa a mexer no meu peito, como uma doença definhando meus pulmões. Não
tire de mim a alegria das palavras, não roube meu amor para cobri-lo de
desilusão. Eu não posso cuidar de alguém que deveria cuidar de mim. Viu? Cadê
você agora que eu preciso? Você me derrubou e me pediu pra te ajudar a
levantar. Mas agora eu cai também, olha. Ficamos juntos na lama, na solidão, na
escuridão da falta de esperança. Minhas palavras estão se afogando em silêncio
e nosso beijo ficou seco, congelado no tempo. Levanta dai, menino. Vem fazer a
mulher da sua vida feliz. Vem trazer vida pra uma mulher que é feliz por você.
De que bastam as promessas e os sonhos se você fechou seus olhos e respira
ofegante esse pó da acomodação? Vai, levanta dai. Levanta e encontra forças pra
me levantar também. Porque sem você eu ando sem rumo, eu caio sozinha, eu
respiro ar sujo, eu apago sonhos, eu congelo beijos.
quarta-feira, 15 de agosto de 2012
Procurando.
Olá, desculpe incomodar mas eu estou procurando uma
menina baixinha, meio gordinha, das olheiras fundas e do cabelo quase preto.
Isso mesmo, uma que tem a sobrancelha grossa. Ah, você não viu. É uma menina
que anda girando na ponta dos pés pra fazer seu vestido rodar e não tem medo de
altura. Sabe qual é? Sim, ela tem um cachorro grande que adora ganhar cafuné
bem no meio da testa e que, quando pede alguma coisa, mostra os dentes como se
estivesse sorrindo. Isso mesmo: um irmão mais novo e um bambolê desmontável que
ela deixa jogado no quintal. Não me diga que você também sabe sobre os contos
que ela escreve no computador da mãe? Exatamente! As histórias do Cebolinha e
da Mônica. Ela é mesmo uma figura, né?! Sempre inventando brincadeiras novas e
sempre perdendo alguma coisa no intervalo da escola. De repente me bateu uma
saudade dela. Toda aquela timidez e inocência. É mesmo? Então faz tempo que ela
não passa por aqui. Vai ver ela cresceu. Ou esqueceu o caminho de
volta.
terça-feira, 31 de julho de 2012
Sorridente.
Ingenuidade é desperdiçar sorrisos. Maturidade é saber usar cada um deles, na hora certa.
quinta-feira, 28 de junho de 2012
Ocupada.
Terapia ocupacional é um tipo de trabalho feito especialmente pra quem não gosta de trabalhar.
Especial.
Não, você
não foi o único. Houveram outros antes de você. Um ou dois que chegaram de
mansinho e foram ficando. Mas nenhum ficou como você. Uma hora ou outra, eles
partiram. Houve choro, houve tristeza. Houve uma garota jogada no sofá da sala
achando que seu mundo inteiro havia se despedaçado e sido lançado ao vento.
Houveram erros, mas também houveram acertos. Você não foi o único a me fazer
sorrir. Mas esse sorriso de hoje é maduro, é confiante. Não é apenas mais um
sorriso bobo e apaixonado. Os outros me deram presentes. Você me conquistou,
invadiu meus sonhos e me prometeu muito mais, num futuro longo e feliz. E
lá, eu sei, você será o único de quem eu irei realmente me lembrar.
quinta-feira, 1 de março de 2012
Fotos escritas.
Esqueceu de tudo ao seu redor. A conversa, as risadas, os olhares. Jogou a cabeça para trás, e procurou entre as folhas miúdas daquelas grandes árvores a claridade do sol naquela tarde quente e seca. Mais uma das fotos mentais que ela guardaria para sempre, com a sensação da brisa batendo em seu rosto e a bolsa em seu colo, esquentando a perna coberta pelo vestido branco de renda.
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
Fácil.
Fez igual chiclete, grudou nela e lá ficou, até secar. E ela cheia de vergonha, dando um gelo atrás do outro, desgrudou o infeliz. Ufa!
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
Meu mundo.
Elas subiam mais e mais, passando por cima da cerca. E, observando aquelas bolhas de sabão, a pequena menina se perguntou o que havia além daquelas madeiras desgastadas pelo tempo. Como é que nunca pensara nisso antes? Ah, aquelas bolhas furta-cor... levavam seu pensamento para longe. Todo o longe que existia além daquela cerca. E foi numa pilha de tijolos e madeira, ali abandonada, que ela subiu para desvendar o mundo. A ponta de seus sapatinhos brancos cuidadosamente equilibrada sobre uma torre de expectativas. Os olhos arregalados subiam auxiliados pelos dedinhos pendurados na cerca suja e cheia de farpas. No mesmo instante em que o menino de boné amarelo olhou para ela, já sem forças, a menina caiu sentada no chão. O fato é que entre uma piscadela e outra, ela teve a certeza de que o mundo não poderia ser melhor. E a partir daquele dia, nenhuma outra cerca despertou sua curiosidade. Pra quê mais?
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