quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Brigada.

“E se a gente desse um tempo?” E eu começo a chorar copiosamente. As lágrimas rolam pelo meu rosto sem pedir licença, formando uma enxurrada de sonhos que, depois desta frase, talvez nunca mais voltem a ser os mesmos. “Mas por quê?” Sério, eu não entendo. Alguém me explica o que está acontecendo aqui, por favor? Eu imploro! Por que isso está acontecendo? Comigo. E agora. É isso mesmo? “O quê? Não, eu não quero!” Mas de que adianta só eu não querer? Se um quer ficar, não significa que iremos ficar. Mas se um quer partir, ambos partirão. Essa é a matemática dos relacionamentos, e eu não consigo calcular com meu coração golpeando meu peito desse jeito. Minha cabeça está latejando. Como é que você fez isso comigo? “Calma, eu só acho que a gente devia dar um tempo, sabe? Ver como ficam as coisas.” Que coisas? Olha, quero deixar claro que não tem coisa pra ficar de jeito nenhum. Tá dizendo que não me ama mais? Tá dizendo que ama outra? Tá dizendo que eu tô feia, porque fiquei gorda desde que a gente começou a namorar? Que sou chata? Que te afastei dos teus amigos? Que merda você tá dizendo porque eu já não tô ouvindo mais nada. Eu estou em cima de você, batendo no seu peito e chorando em soluços altos que irão acordar a casa toda. E-eu-não-ligo. Eu não ligo. Você falou o que quis não foi? Agora é a minha vez! Eu é que me afastei das minhas amigas por você! Eu deixei de sair por você” Eu larguei tudo por você! E você tá achando que é só falar que não quer mais? Você é um fraco. É isso mesmo, um fraco colocando vírgulas porque tem medo de botar o ponto final. Um fraco que veio até mim quando eu me sentia bem e feliz sozinha. Foi você que quis ter um nós quando eu estava feliz sendo só eu. Quanto tempo perdido, meu Deus! Eu não pedi por isso, mas você me fez querer. Você acha que pode brincar assim comigo? “Você é um filho da puta.” E jogo em sua cara os últimos resíduos do meu amor-próprio gritando e derrubando todos os porta-retratos porque um deles tem a foto da sua ex junto com a sua irmã e eu sempre quis fazer isso. Foda-se o respeito, eu estou sofrendo, ok? Tenho direitos aqui. ”Amor, mas, eu só queria resolver tudo entre a gente.” Amor? Você disse amor? Meu filho, chega! CHEGAAAA! Quer curtir a vida, quer pegar um monte de vagabundas? Vá em frente. Pule de bar em bar. Diga mentiras e beije bocas estranhas que você nem sabe o nome. Era eu quem curtia a vida e não você. Mas você me fez querer ficar em casa, debaixo do cobertor assistindo novela e agora quer roubar o meu passado. Você tem inveja! Inveja porque eu fui feliz e você não. “Agora não dá pra resolver nada porque você estragou tudo.” Entro no quarto para pegar minhas coisas e bato a porta na sua cara. Percebo que meu braço está sangrando porque você tentou me segurar e fico ainda mais puta quando percebo que o que me machucou foi a pulseira que eu te dei. E que ainda estou pagando! Mas pode ficar com ela, de lembrança. Hahaha! Agora quem não quer sou eu. Mas eu queria. Eu queria muito. Até esse segundo eu ainda quero que você entre aqui e diga que é tudo mentira e que eu não preciso me envergonhar por perder o controle porque tudo vai ficar bem. MAS VOCÊ NÃO ENTROU! E eu vou ter que continuar surtando, é isso? Vou ter que realmente ir embora? Agora não dá mais pra voltara atrás, né? É irônico porque você queria um tempo e o meu acabou. Sento na cama e o quarto está rodando. E parece que eu não disse metade do que gostaria porque meu peito dói e sinto um nó na garganta, me sufocando. “Vai se fuder” eu grito enquanto você mexe na maçaneta. Pego suas roupas, junto tudo em cima da cama e vejo aquele isqueiro velho. Aquele que você disse pra sua mãe que era meu porque ela não podia saber que você fumava. Mas se ela achasse que era eu não tinha problema, né? Seu grande filho da puta! Ah, olha só... o isqueiro caiu... em cima da cama! Ops, e todas as roupas estavam lá! Que peninha. Sento na cadeira da mesinha de computador e assisto a chama crescendo enquanto você está batendo desesperado na porta. Se você queria tempo, vou te dar sim. Aliás, não vai faltar tempo pra você remoer a culpa que vai consumir seu coração depois de hoje. Porque você começou tudo isso? A gente era tão feliz. Você precisava ter dito aqui? As lágrimas voltaram e eu solto um grito seco. Meu tempo acabou. As chamas lambem minhas pernas e sinto a fumaça entorpecendo meus sentidos. Meu tempo acabou. Pipipi. Seja infeliz. Pipipi. Adeus. Pipipi. Pipipi. Pipipi. Abro os olhos e acordo. Meu braço ainda dói da briga de ontem. Você foi cruel comigo mas eu sai correndo sem olhar para trás. Não sou mulher de dar tempo. Só dou amor. E se você não quer, tem quem queira. Tive um sonho estranho e me sinto estranha, mas já vai passar. O sonho parecia real, mas tinha um final triste. E o meu final vai ser feliz. Com outro alguém e sem você. Não tenho mais tempo a perder.   

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Vó(L)Tê.

As férias chegavam e as malas apareciam no corredor no meio da noite. Meus pais diziam que já era manhã, mas as estrelas pareciam não concordar. Ou o sol havia perdido a hora, sei lá. O porta malas num passe de mágica virava cama. Onde é que meus pais colocavam o banco traseiro do carro, afinal? Sem questionar nem bocejar, eu colocava meu moletom favorito sobre o pijama e deixava claro para o meu irmão o espaço em que cada um poderia se deitar. Os cachorros choravam e latiam mas a gente fingia não ouvir. Era melhor assim. E ali, deitada, vendo as luzinhas passarem pela janela eu dormia ao som da fita cassete de música sertaneja que minha mãe guardava no porta-luvas durante todo o ano, mas só tirava nesta ocasião. Meu pai me acordava para avisar todas as vezes em que passávamos por alguma cidade, grande ou pequena. Minha mãe me acordava sempre que a gente parava porque ela queria fazer xixi. E meu irmão me acordava sempre que, dormindo, colocava o braço em cima da minha cabeça. Entre um pão de queijo e outro, eu perguntava se já estávamos chegando. Mas, na verdade, eu não me importava com o destino, o que me importava era apenas a partida. E ela ficava cada vez mais para trás. Conforme o dia ia passando, o calor ia entrando no carro e as roupas saindo do corpo. As janelas iam se abrindo, e o verde das plantações iam ocupando o horizonte. "Quando você dorme o tempo passa mais rápido." Mas tenho para mim que, quando se é criança, ele passava voando. "Já chegamos." Sempre que ouvia esta frase eu me lembrava de que partir era bom, mas chegar era bom também. Chegar tinha cheiro de folhas queimadas, de café fresco e de biscoito de polvilho. A gente ia entrando, empurrando o portão, colocando as coisas no chão e alongando as pernas. Mas ela não vinha nos ver. Ela ficava sentada na cadeira de tecido colorido, no cantinho da cozinha, perto da porta. Ela não andava direito, sabe? Tinha alguma coisa a ver com aquele morrinho nas costas dela. Seus passinhos eram lentos e tinham como ajudante um rodo de puxar água. Ela devia puxar muita coisa mesmo, porque seus passos eram arrastados, como os de alguém que faz muita força e pensa em desistir no meio do caminho. E mesmo percorrendo uma grande distância para estar perto dela, a gente ainda parecia muito longe, no tempo, na vida, no amor. Dia e noite a gente se cruzava, mas nunca se encontrava de fato. Eu mostrava minhas roupas novas, contava piadas e inventava mil histórias, mas era como se ela ouvisse sem escutar, como me olhasse sem me ver, como se estivesse lá, mas com o coração em outro lugar. Apesar disso, na gaveta da penteadeira, cheia de vidrinhos de perfume vazios, ela guardava todas as minhas cartas, as cartas para a "vó Tê", que não sabia ler, mas sabia que, do meu jeito, eu a amava. 

Procura-se.

Estou sentada neste banco faz quinze minutos e tenho certeza de que tem um arbusto se mexendo atrás de mim. Uma. Duas. Duas vezes ele se mexeu. Mas seja o que for eu não vou dar atenção. Um. Dois. Não, eu não vou lá ver o que é. Não tenho nada a ver com isso. Não estou vendo nada. Vou ler meu livro e... caraca! Mexeu de novo. Ninguém aqui vai lá ver o que é? Pelo amor de Deus, não sou a única pessoa neste parque às três da tarde. Umdois. Agora foi mais rápido, hein? Acho que mexeu mil vezes mais rápido. Ou estou ficando doida? É só um arbusto sendo balançado pelo vento. Se passar algum funcionário do parque por aqui, vou mandar ele dar uma olhada. Ih, olha lá, já parou de mexer. Um. E. Dois. É, parar não parou, mas ficou mais lento. Tá bom, vou fechar esse livro e observar mais um pouquinho. Acho que parou. Parou de vez. Parou mesmo. Mas o que será que aconteceu, hein? Parou por quê? Essas coisas só acontecem comigo mesmo. Vou lá olhar. Sei que não deveria. É, não devo. Mas não posso ir para casa sem saber o que me prendeu aqui nos últimos vinte minutos. Olhando daqui não dá pra ver nada. Vou esperar essa mulher que está fazendo caminhada passar por aqui e vou até lá dar uma espiada. Só pra ela não achar que sou uma doida entrando no meio do mato. Só pra ter certeza de que não era nada e eu estou exagerando. E, é claro que não pode ser nada. Um. Mexeu. Dois. Mexeu de novo. Mexeu, eu vi! Tenho certeza que mexeu. Devia ter gravado com o celular. Vou lá, chega dessa perda de tempo. Ei, o que é isso? Parece um... não, não pode ser. Acho que já vi em um livro ou algo assim. Só pode ser. Mas quem deixou isso aqui? O que eu faço agora? Eu não devia ter sido tão curiosa. Só porque eu achei virei tipo a dona disso aqui? Será que eu coloco de volta lá onde eu o achei? Mas e se ninguém o achar e ele morrer? Bom, não é problema meu... Mas, já sei. Acho que tem uma echarpe aqui na minha bolsa. Tava aqui. Tava aqui. Achei! Parece que vai dar, mas tenho que pegar com j-e-i-t-i-n-h-o. Tá, peguei. Ai que coisa estranha! Ele mexe mesmo, parece pulsar. Não sei como ele estava mexendo um arbusto tão grande. Acho que estava pulsando mais forte por causa do medo e agora ficou calmo e... até parece meio bonitinho olhando bem. Nunca achei que fosse encontrar um coração assim, de forma tão inesperada! Mas, e agora? Eu não quero e não preciso de um desses. Ainda mais assim, tão indefeso. O cérebro que adotei no ano passado atrás iria matá-lo se eu colocasse os dois juntos lá em casa. Vou... simplesmente... colocá-lo em cima... desse banco. Pronto, assim. Vou deixá-lo aqui para que a próxima pessoa a passar possa lhe dar tudo que eu não tenho. Eu simplesmente não sou a pessoa certa para você, entende? Mas, eu nunca vou me esquecer deste momento. Continue batendo, pulsando, vivendo. Um dia, alguém que lhe queira de verdade vai te encontrar. E sua vida será linda, meu querido. O problema não é você, sou eu. Adeus.

Nevada.

Ao abrir a porta da sala sentiu o vendo gelado soprando o cabelo recém cortado. Ainda não se acostumara com aquela franja a lhe incomodar os olhos, a última moda entre as meninas de sua idade. A neve branca caia do céu em câmera lenta, tocando o chão lentamente e encobrindo tudo que estivesse em seu caminho: telhados, plantas, carros. No entanto, ao longe, podia-se ouvir o som dos carros que tiravam do caminho todo o gelo, misturando-o à lama e a sujeira das ruas. Então, ao notar um raio de sol tocava o solo, ela pode ver que a neve reluzia como se fosse cravejada de diamantes. “O céu nos enviou suas pedras mais preciosas e nós a colocamos de lado, simplesmente para seguir aquele que acreditamos ser o nosso caminho.”

Sim, menina, nós sempre fazemos isso.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Segunda-feira.

Desço do metrô com as pernas bambas. Confiro meu relógio e me surpreendo ao ver que estou adianta pela primeira vez em muito tempo. Caminho alguns metros e avisto a fachada repleta de espelhos, refletindo o céu azul pincelado por algumas nuvens ralas. É como se o inferno estivesse fantasiado de paraíso. Passo por uma das muitas portas de entrada e um calafrio percorre meu corpo, arrepiando os pelos do meu braço. “Não entre aí, vire-se e saia correndo enquanto pode” disse meu coração em batuques descompassados. Respiro fundo e aperto o crachá em minhas mãos: não há o que fazer. Passo pela catraca sob os olhos vigilantes de um funcionário e não recebo resposta ao lhe desejar um bom dia. “Bom dia pra quem?” ele parece ter pensado. De fato, tal voto se parecia mais com uma piada de mal gosto. Sigo as placas que me indicam o andar subterrâneo e desço as escadas sentindo que fico, a cada degrau, mais distantes de tudo aquilo com o qual eu sempre sonhei. A porta bege na parede cinzenta é meu destino final. O leitor pede que eu coloque minha digital no vidro engordurado e, na terceira tentativa, a luz verde acende, como se eu agora fosse livre para seguir em frente. “É justamente o oposto de liberdade que me espera lá dentro”, concluiu meu cérebro ainda atordoado. Reconheço onde devo entrar pois a porta range, balançada pelo vento, como se lamentasse em gemidos o meu destino. Espio para dentro e posso ver todos aqueles seres, inexpressivos, com olhos fixos nas dezenas de telas empoeiradas. Sinto então a poeira dos móveis e máquinas invadir minhas narinas e desejo que o ar volte a circular em meus pulmões. O ar é nitidamente pesado e sujo e a luz entra pelas janelas sujas que se encontram fechadas, mesmo que o ar condicionado não funcione há muito tempo. Os cliques desesperados e as teclas agredidas com violência são o único som do local. Avisto minha cadeira com o estofado manchado e deixo que meu corpo desabe sobre ela, sentindo que cada vértebra da minha coluna reclama da posição desconfortável causada pela espuma gasta do assento. Olho para o relógio e sinto que ele me desafia. “Dez. Tic. Horas. Tac. Dez. Horas. Dez horas. Dezoras”. E segundo após segundo eu o encaro, como se dele dependesse a minha própria vida. Segundo após segundo eu me desvaio em uma poça de inseguranças, medos e decepções. Não há nada a ser feito, nada a ser dito, nada a ser considerado. Este é o fim. A luz deixa de entrar pelas janelas, os sons ficam ainda mais abafados lá fora, tudo está estranhamente fora do lugar, mesmo que nada tenha sido mexido. Mas a verdade é que eu estou fora de lugar, do meu lugar. “Eu é que não deveria estar aqui”, escrevo na tela em branco. E continuo escrevendo, escrevendo e escrevendo para me alimentar de cada letra. Mas choro ao ver que linha após linha, ponto após ponto, tudo é mal julgado e rapidamente jogado fora, como se de nada servisse. Vejo todo o meu eu longe daquilo que era meu. Sem dar por mim, olho pela janela e invejo uma pomba voando livre do lado de fora. Então tomo uma decisão: deixo meu corpo onde está e voo com ela, rumo ao infinito. A partir de hoje, decido, meu corpo que chegue no horário e faça todo o trabalho. E então, quando ele estiver no portão de saída, eu voltarei a preenchê-lo com minha alma livre e sonhadora para juntos voltarmos ao local de onde nunca deveríamos ter saído: os braços do meu amor.








quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Musical Idade.

Samba no pé. Sertanejo na palma da mão.
MPB na ponta da língua. E rock no coração.

O encontro.

A Nuvem se apaixonou pelo Riacho. Dias e noites se passaram e ela, estática, apenas observava seu amado. O Riacho, por sua vez, corria apressado e desatento, sem jamais notar sua admiradora tão cheia de amor. Então, de coração partido a Nuvem se desfez em choro. E, quando menos esperava, encontrou-se com o Riacho, pondo-se a correr com ele. Como ela sempre sonhou e como ele jamais imaginou: eram, agora, apenas um.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Escadaria.

Vem correndo, vem. Larga tudo aí e vem.
Deixa os problemas, deixa as tristezas e vem.
Não diz que não dá, esquece isso e apenas vem.
Eu tô aqui embaixo te esperando, então diz que vem.
Dá um jeitinho e vem ser muito feliz aqui comigo, vem.
Vem que se eu não for sua não sou nada. Vem, vem, vem. 

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Motorista.

Menina, o segredo é parar no farol, mas continuar seguindo assim que ele abrir. Não se encante pela vista familiar, e não se assuste com o vislumbrar de um novo horizonte. No caminho pode chover ou fazer sol, mas deixe sempre uma fresta da janela aberta. Não ligue para as gotas de água no rosto ou para o cabelo despenteado, apenas sinta o que acontece lá fora, e lembre-se de que está protegida aqui dentro. Acelere e freie quando achar que deve, mas não faça as duas coisas ao mesmo tempo. Cuidado com os buracos e com as placas apagadas pelo tempo, elas podem te confundir. Você pode virar sem dar seta, mas jamais dê seta muito antes de virar. Dê passagem aos outros, mas tome cuidado para não ficar para trás. Evite trafegar pelo acostamento. Verifique a gasolina vez ou outra e abasteça quando precisar, sem economia. Tome cuidado com os radares e, em caso de multa, não deixe para pagar depois. Nos pedágios agradeça o descanso da estrada. Ligue o rádio se achar necessário, mas não se distraia. Use o GPS se precisar, mas não se torne seu refém. Use o cinto de segurança. Limpe as janelas e jogue o lixo fora, sempre. O caminho é um só e o destino é certo, minha menina. Como você vai percorrê-lo é que fará toda a diferença. Boa viagem.

Sonhos.

- Do que são feitos os sonhos, afinal?
- De certezas duvidosas e variáveis.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Meu segundo texto para o Fábio.

Por mais que eu passe todos os dias - e noites - ao seu lado, ainda sinto como se faltasse tempo para te descobrir. Ainda parece que não te conheço e que te descubro a cada nova palavra e a cada novo olhar. Faz seis meses que você é todo novo, de novo, todos os dias. Do beijo de boa noite ao beijo de bom dia, antes de você sair para o trabalho e eu dormir só mais um pouquinho. Sabe, ainda não me acostumei com a sua mania de tomar café-da-manhã em pé ao lado da pia da cozinha, mas sei que você já se acostumou a esquentar o meu pé gelado sempre que me deito. Quando você me liga durante a tarde, eu não preciso mais dos “eu te amo”, mas espero ansiosa pelo “tudo bem?”. Eu sinto você me protegendo do peso, da chuva ou da tristeza. Você me acalma, me transforma. Você entra no meu coração tirando tudo de ruim e coloca tudo de bom no lugar. Adoro como você conta sobre o seu dia, sem esquecer de nenhuma vírgula porque eu gosto dos detalhes, dos parênteses, e gosto de me sentir presente, mesmo estando em outro lugar. Sabe, amor, eu já não ligo pra louça suja na pia, pra roupa no chão do banheiro ou pra cama desarrumada, contanto que tenha seu ombro pra eu me deitar no fim do dia. Eu espalhei fotos do nosso casamento pela casa porque ele ainda parece uma invenção só nossa. O dia em que eu deveria estar nervosa e estava calma. O dia em que eu poderia chorar, mas apenas consegui sorrir. O dia em que você me disse sim com um olhar e “eu te amo” com um beijo. Há seis meses eu abro a porta da nossa casa e me surpreendo com uma vida inteiramente nova. Todas as nossas diferenças, manias e sonhos, juntos no mesmo espaço. Você já não precisa me ligar todas as noites e esperar que eu atenda, mas começou a dizer “vem aqui”, mesmo sabendo que eu nunca vou. E eu continuo insistindo pra você comer brócolis e tomate mesmo que você ache ruim. Aliás, a gente descobriu que não liga mais para o arroz sem sal nem pro bife queimado, desde que tenha um chocolate nos esperando no final. E todos os dias, quando chego de trem na estação eu ainda olho meu reflexo no vidro e ajeito meu cabelo antes de procurar o seu carro, para ter certeza de que você vai me achar bonita. Eu continuo usando um pijama velho com chinelinho de vó porque você também tem um chinelinho de vô. Concordamos em ser velhos que gostam de pizza de brigadeiro e dormem cedo no sábado a noite. A gente não faz questão de ser jovem, a gente só faz questão de ficar junto. Eu querendo te encher de roupas, você querendo me encher de beijos. E todos os dias, a gente se entende, para sempre.

Ciclo.

Caiu, caiu e caiu.
Parecia que não levantaria nunca mais.
Enfim, alcançou o chão.
Ficou, ficou e ficou.
Parecia que não sairia dali nunca mais.
Até que perdeu o chão.
E começou tudo de novo, de novo e de novo.

O que é o coração?

Uma língua que jamais se falou.
Um planeta que ninguém nunca viu.
Um lago em que ninguém mergulhou.
Um sabor que jamais se sentiu.
Um beijo que ninguém deu.
Um amor que jamais se amou.
Um perdão que ninguém perdoou.
Um sorriso de nunca se abriu.

(H)ora.

Calma que na hora certa tudo se acerta
A alma cansa da dúvida e para de duvidar
Quem ama não tem tempo a perder
Mas não são todas que se pode ganhar

Pena.

Era tão certinha que virou a pessoa errada.

A moeda.

Revelou sua outra face. 
Era tão chata quanto. 
Não dei valor. 
Gastei-a até acabar.

Fechada.

Quem muito abre mão de tudo, deixa a felicidade escapar pelos dedos.

Teu.

Deixo que saia
Desde que veja
A culpa tua.
Deixo que caia
Desde que seja
A culpa minha.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Pra você.

Eu escrevia seu nome na sola da minha rasteirinha e fala seu nome doze vezes na noite de Ano Novo pra você gostar de mim.

Na quaresma, prometia ficar sem comer chocolate quarenta dias e quarenta noites pra você gostar de mim.

Eu andava com as meninas populares e usava shorts justo na escola de freiras pra você gostar de mim.

Nas provas, fingia não saber as respostas e tirava notas baixas para não parecer nerd e você gostar de mim.

Eu joguei fora meu diário de chavinha dourada que ganhei da minha avó para não parecer criança e você gostar de mim.

Daí, um dia desses, eu te vi na fila de algum lugar, virei as costas e sai andando. Melhor assim, pra você nunca mais gostar de mim. 

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Oi.

Sonhei com você um dia desses. Olha só, já se passaram mais de dez anos e ainda não perdi essa mania de escrever para você mesmo sabendo que você nunca irá ler.

Acho que me acostumei com esse você que é tão meu e que você nem sabe que existe. Tenho certeza que, de alguma forma, algum dia você ainda vai me ver e saber que eu nunca te esqueci só de me olhar.

Sabe, eu te entendo as vezes. Você era bonito, popular, cheio de amigos e namoradas. Eu era apenas uma menina bobinha e feiosa que te passava as respostas nas provas de História e Português.

Eu e você não fazíamos sentido, embora eu sempre tenha gostado do inusitado. Acho que você escolheu o caminho mais fácil de usar meus sentimentos a seu favor. Eu, por outro lado, escolhi o mais difícil: me doar por inteiro em troca de lágrimas.

Mas um dia as lágrimas secam e esse dia até que é bom. Fica um vazio no peito, sabe? Não tem ódio nem amor. Não tem nada. Não tem mais você. Esse dia foi realmente legal e eu até teria te contado, se algum dia a gente tivesse sido amigo. Talvez você até gostasse de saber que eu não te amava mais, embora agora eu esteja mais bonitinha e tal.

Estranho como alguém que parece ser a sua vida, de uma hora pra outra, nem sequer cabe mais na sua vida. Vira um inimigo, vira um desconhecido ou vira, sei lá, nada.

Quando se é adulto, as coisas ficam mais claras. Ou é ou não é. Não dá tempo de criar, fantasiar, sonhar. Tem conta para pagar, né? Tipo, você não é obrigado a ficar cinco horas sentado ao lado da pessoa, sofrendo. Você pode levantar, ir embora e procurar a outra pessoa pra sentar ao seu lado, nem que seja em outra cidade ou país. A gente tem mais possibilidades e dá pra escolher sofrer ou superar.

Tudo é bem mais fácil agora. O tempo foi gentil comigo e espero - eu acho - que tenha sido com você também. Não desejo que você seja feliz porque, você sabe, a vida tirou de mim a ingenuidade e colocou no lugar uma dosezinha de vaidade que me impede de te desejar tudo de bom quando você me fez sofrer um bocado.

Ah, eu te desejo tudo que você merece, tudo que você precisa, tudo que você vá de fato valorizar. Não sei o que foi que aprendi com você. Talvez você tenha apenas me ajudado a perceber que nem tudo que a gente quer, pode ter e que tudo, tudo mesmo, passa. Até a minha esperança de um dia poder me vingar de você, fazendo você se apaixonar por mim e te dando um belo pé na bunda. Teria sido ótimo pra minha auto-estima!

Hoje já não sei se gostaria de te encontrar. Mas nem precisa, porque eu ainda posso te escrever.
Vamos apenas continuar vivendo e sendo nós, sempre longe um do outro. Melhor assim.

Adeus.

Durante todas as aulas era você que eu estudava. Seus gestos, sua pele clara, o cabelo cortado curtinho, os olhos castanhos levemente puxadinhos quando você sorria, a boca carnuda e macia - como eu imaginava que deveria ser - e o perfume levemente adocicado. Por muitas e muitas vezes, deixei de lado a História do mundo para pensar na nossa.

Durante dois anos, você foi a minha matéria favorita, o amigo - e namorado - que eu gostaria de ter, mas que você nunca quis ser. Para você eu me vestia, perfumava e chorava. Para você eu tinha as respostas de todas as provas e por você eu fazia os trabalhos mais difíceis. Te dei meu coração inteiro e você quis apenas meu ombro para chorar suas desilusões baratas, com alguma das minhas amigas. Para mim tudo era simples e lindo. Para você não era nada.

Durante meus sonhos era você que eu via ao meu lado, me olhando e, realmente, me vendo. Sempre que podia, dizia a você o quanto o amava, mesmo que você nunca me ouvisse. E nunca te falei, mas acreditei em você todas as vezes em que me prometeu um beijo descompromissado. Todos os dias você zombava de mim - e do meu amor - e eu sorria. Virei especialista em te querer.

E durante toda a minha vida te levei comigo, em um canto do meu coração, protegido das desilusões desse mundo, esperando que a hora do recreio acabasse e você viesse ocupar seu lugar na minha vida para ser feliz ao meu lado. Mas você não veio. Então mudei de escola, mudei de casa, mudei o cabelo e mudei de amor. Porque um amor não correspondido é igual a uma carta que nunca chega ao seu destino. E hoje sei que enderecei meu amor à pessoa errada.  

Nasci.

Pra brilhar
Na luz do sol ou do luar.
Pra cantar
Na chuva ou no chuveiro.
Pra sentir
Na cama ou no chão.
Pra falar
Com a voz ou com o olhar.
Pra ouvir
Com a alma ou com a pressa.
Pra olhar
Com os olhos ou o coração.
Pra te amar
Nesta vida ou na próxima.


Escrever-se.

Não gosto das páginas em branco, assustadoramente intocadas, ameaçadoramente perfeitas, onde cada traço parece uma agressão, onde cada erro é um grito ecoando em todos os cantos.

Gosto das páginas puídas, marcadas, com vincos e dobras, com marcas do tempo, onde posso escrever sem pensar duas vezes pois, a cada novo erro, apago e continuo minha história.


terça-feira, 26 de agosto de 2014

Anúncio.

Parecia mais do que um simples aviso, parecia uma certeza absoluta e irrevogável. Ali, no papel aberto ao acaso havia um aviso por entre as linhas, escondido por entre as letras, pairando sobre cada ponto final.

Chorei por não entender, mas, principalmente, por não conseguir aceitar. Afinal, não se aceita o que não se entende. E, para mim, não entender é quase o mesmo que duvidar.

Nunca fui de acreditar nesse tipo de coisa, mas, desta vez, era mais do que sempre fora. Era real, quase físico. Era como uma feixe de vento frio que, de alguma forma, alcança suas costas cobertas e toca sua espinha.

A ausência do saber doía mais que a própria dor. Os relógios passaram a tiquetaquear em marcha lenta. Os dias se arrastaram em lama suja. O sol me secou a alma.

Fiz o que pude: esperei. Pois seria impossível chegar onde quer se seja, sem saber para onde ir.


Vívida.

A razão da vida é o que você faz antes da morte.

Cuidado.

Armada com palavras.
Protegida com ironias.
Sem licença para blogar.

Vá.

Vá, ande. Passe por aquela porta e me esqueça.
Finja que nunca esteve onde nunca foi.
Finja que nunca leu o que nunca escrevi.
Vá, corra. Passe por aquela porta e não olhe para trás.
Finja que nunca sentiu o que nunca entendi.
Finja que nunca viu quem nunca te quis.

Disse.

Distrair. Disferir. Dislembrar. Disacabar.

Bonita.

Colares. Brincos. Pulseiras. Anéis.
E algumas palavras para enfeitar a alma.

Perdão.

Gostaria de ter escrito mais e pensado menos.  
Meu legado são palavras não escritas.
Pensamentos ignorados.
Sentimentos esquecidos.
E todos os sonhos um dia destruídos.

Fones.

Ela precisava da música nos ouvidos para ouvir os próprios pensamentos. O silêncio era vazio, o barulho era cheio. E de vazio, meu amigo, já bastava seu coração.

terça-feira, 18 de março de 2014

Bem aqui.

Para se escrever bem é preciso pensar bem. E só se pensa bem com o coração.

Oração.

A oração é uma conversa em que um fala e o outro age.

A vida.

É finita em seu começo.
Mas é eterna em seu fim.

Reúne para separar.
Mas separa para juntar.

Propaga o amor.
Mas com amor paga.

Chega temendo partir.
Mas parte querendo chegar.

Deixa e leva marcas.
Mas leva e deixa saudades.

Revela sem mostrar.
Mas mostra sem falar.

É vivida em pouco.
Mas é sentida em tudo.




À ela.

À primeira vista, frágil com cristal.

Ao primeiro elogio, derretida como manteiga.

Ao primeiro sorriso, iluminada como sol.

À primeira conversa, delicada como flor.

Ao primeiro toque, quente como fogo.

Ao primeiro beijo, sua.




Muito bom.

O elogio é uma semente que faz nascer a certeza. Mas também a dúvida.