quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Brigada.

“E se a gente desse um tempo?” E eu começo a chorar copiosamente. As lágrimas rolam pelo meu rosto sem pedir licença, formando uma enxurrada de sonhos que, depois desta frase, talvez nunca mais voltem a ser os mesmos. “Mas por quê?” Sério, eu não entendo. Alguém me explica o que está acontecendo aqui, por favor? Eu imploro! Por que isso está acontecendo? Comigo. E agora. É isso mesmo? “O quê? Não, eu não quero!” Mas de que adianta só eu não querer? Se um quer ficar, não significa que iremos ficar. Mas se um quer partir, ambos partirão. Essa é a matemática dos relacionamentos, e eu não consigo calcular com meu coração golpeando meu peito desse jeito. Minha cabeça está latejando. Como é que você fez isso comigo? “Calma, eu só acho que a gente devia dar um tempo, sabe? Ver como ficam as coisas.” Que coisas? Olha, quero deixar claro que não tem coisa pra ficar de jeito nenhum. Tá dizendo que não me ama mais? Tá dizendo que ama outra? Tá dizendo que eu tô feia, porque fiquei gorda desde que a gente começou a namorar? Que sou chata? Que te afastei dos teus amigos? Que merda você tá dizendo porque eu já não tô ouvindo mais nada. Eu estou em cima de você, batendo no seu peito e chorando em soluços altos que irão acordar a casa toda. E-eu-não-ligo. Eu não ligo. Você falou o que quis não foi? Agora é a minha vez! Eu é que me afastei das minhas amigas por você! Eu deixei de sair por você” Eu larguei tudo por você! E você tá achando que é só falar que não quer mais? Você é um fraco. É isso mesmo, um fraco colocando vírgulas porque tem medo de botar o ponto final. Um fraco que veio até mim quando eu me sentia bem e feliz sozinha. Foi você que quis ter um nós quando eu estava feliz sendo só eu. Quanto tempo perdido, meu Deus! Eu não pedi por isso, mas você me fez querer. Você acha que pode brincar assim comigo? “Você é um filho da puta.” E jogo em sua cara os últimos resíduos do meu amor-próprio gritando e derrubando todos os porta-retratos porque um deles tem a foto da sua ex junto com a sua irmã e eu sempre quis fazer isso. Foda-se o respeito, eu estou sofrendo, ok? Tenho direitos aqui. ”Amor, mas, eu só queria resolver tudo entre a gente.” Amor? Você disse amor? Meu filho, chega! CHEGAAAA! Quer curtir a vida, quer pegar um monte de vagabundas? Vá em frente. Pule de bar em bar. Diga mentiras e beije bocas estranhas que você nem sabe o nome. Era eu quem curtia a vida e não você. Mas você me fez querer ficar em casa, debaixo do cobertor assistindo novela e agora quer roubar o meu passado. Você tem inveja! Inveja porque eu fui feliz e você não. “Agora não dá pra resolver nada porque você estragou tudo.” Entro no quarto para pegar minhas coisas e bato a porta na sua cara. Percebo que meu braço está sangrando porque você tentou me segurar e fico ainda mais puta quando percebo que o que me machucou foi a pulseira que eu te dei. E que ainda estou pagando! Mas pode ficar com ela, de lembrança. Hahaha! Agora quem não quer sou eu. Mas eu queria. Eu queria muito. Até esse segundo eu ainda quero que você entre aqui e diga que é tudo mentira e que eu não preciso me envergonhar por perder o controle porque tudo vai ficar bem. MAS VOCÊ NÃO ENTROU! E eu vou ter que continuar surtando, é isso? Vou ter que realmente ir embora? Agora não dá mais pra voltara atrás, né? É irônico porque você queria um tempo e o meu acabou. Sento na cama e o quarto está rodando. E parece que eu não disse metade do que gostaria porque meu peito dói e sinto um nó na garganta, me sufocando. “Vai se fuder” eu grito enquanto você mexe na maçaneta. Pego suas roupas, junto tudo em cima da cama e vejo aquele isqueiro velho. Aquele que você disse pra sua mãe que era meu porque ela não podia saber que você fumava. Mas se ela achasse que era eu não tinha problema, né? Seu grande filho da puta! Ah, olha só... o isqueiro caiu... em cima da cama! Ops, e todas as roupas estavam lá! Que peninha. Sento na cadeira da mesinha de computador e assisto a chama crescendo enquanto você está batendo desesperado na porta. Se você queria tempo, vou te dar sim. Aliás, não vai faltar tempo pra você remoer a culpa que vai consumir seu coração depois de hoje. Porque você começou tudo isso? A gente era tão feliz. Você precisava ter dito aqui? As lágrimas voltaram e eu solto um grito seco. Meu tempo acabou. As chamas lambem minhas pernas e sinto a fumaça entorpecendo meus sentidos. Meu tempo acabou. Pipipi. Seja infeliz. Pipipi. Adeus. Pipipi. Pipipi. Pipipi. Abro os olhos e acordo. Meu braço ainda dói da briga de ontem. Você foi cruel comigo mas eu sai correndo sem olhar para trás. Não sou mulher de dar tempo. Só dou amor. E se você não quer, tem quem queira. Tive um sonho estranho e me sinto estranha, mas já vai passar. O sonho parecia real, mas tinha um final triste. E o meu final vai ser feliz. Com outro alguém e sem você. Não tenho mais tempo a perder.   

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Vó(L)Tê.

As férias chegavam e as malas apareciam no corredor no meio da noite. Meus pais diziam que já era manhã, mas as estrelas pareciam não concordar. Ou o sol havia perdido a hora, sei lá. O porta malas num passe de mágica virava cama. Onde é que meus pais colocavam o banco traseiro do carro, afinal? Sem questionar nem bocejar, eu colocava meu moletom favorito sobre o pijama e deixava claro para o meu irmão o espaço em que cada um poderia se deitar. Os cachorros choravam e latiam mas a gente fingia não ouvir. Era melhor assim. E ali, deitada, vendo as luzinhas passarem pela janela eu dormia ao som da fita cassete de música sertaneja que minha mãe guardava no porta-luvas durante todo o ano, mas só tirava nesta ocasião. Meu pai me acordava para avisar todas as vezes em que passávamos por alguma cidade, grande ou pequena. Minha mãe me acordava sempre que a gente parava porque ela queria fazer xixi. E meu irmão me acordava sempre que, dormindo, colocava o braço em cima da minha cabeça. Entre um pão de queijo e outro, eu perguntava se já estávamos chegando. Mas, na verdade, eu não me importava com o destino, o que me importava era apenas a partida. E ela ficava cada vez mais para trás. Conforme o dia ia passando, o calor ia entrando no carro e as roupas saindo do corpo. As janelas iam se abrindo, e o verde das plantações iam ocupando o horizonte. "Quando você dorme o tempo passa mais rápido." Mas tenho para mim que, quando se é criança, ele passava voando. "Já chegamos." Sempre que ouvia esta frase eu me lembrava de que partir era bom, mas chegar era bom também. Chegar tinha cheiro de folhas queimadas, de café fresco e de biscoito de polvilho. A gente ia entrando, empurrando o portão, colocando as coisas no chão e alongando as pernas. Mas ela não vinha nos ver. Ela ficava sentada na cadeira de tecido colorido, no cantinho da cozinha, perto da porta. Ela não andava direito, sabe? Tinha alguma coisa a ver com aquele morrinho nas costas dela. Seus passinhos eram lentos e tinham como ajudante um rodo de puxar água. Ela devia puxar muita coisa mesmo, porque seus passos eram arrastados, como os de alguém que faz muita força e pensa em desistir no meio do caminho. E mesmo percorrendo uma grande distância para estar perto dela, a gente ainda parecia muito longe, no tempo, na vida, no amor. Dia e noite a gente se cruzava, mas nunca se encontrava de fato. Eu mostrava minhas roupas novas, contava piadas e inventava mil histórias, mas era como se ela ouvisse sem escutar, como me olhasse sem me ver, como se estivesse lá, mas com o coração em outro lugar. Apesar disso, na gaveta da penteadeira, cheia de vidrinhos de perfume vazios, ela guardava todas as minhas cartas, as cartas para a "vó Tê", que não sabia ler, mas sabia que, do meu jeito, eu a amava. 

Procura-se.

Estou sentada neste banco faz quinze minutos e tenho certeza de que tem um arbusto se mexendo atrás de mim. Uma. Duas. Duas vezes ele se mexeu. Mas seja o que for eu não vou dar atenção. Um. Dois. Não, eu não vou lá ver o que é. Não tenho nada a ver com isso. Não estou vendo nada. Vou ler meu livro e... caraca! Mexeu de novo. Ninguém aqui vai lá ver o que é? Pelo amor de Deus, não sou a única pessoa neste parque às três da tarde. Umdois. Agora foi mais rápido, hein? Acho que mexeu mil vezes mais rápido. Ou estou ficando doida? É só um arbusto sendo balançado pelo vento. Se passar algum funcionário do parque por aqui, vou mandar ele dar uma olhada. Ih, olha lá, já parou de mexer. Um. E. Dois. É, parar não parou, mas ficou mais lento. Tá bom, vou fechar esse livro e observar mais um pouquinho. Acho que parou. Parou de vez. Parou mesmo. Mas o que será que aconteceu, hein? Parou por quê? Essas coisas só acontecem comigo mesmo. Vou lá olhar. Sei que não deveria. É, não devo. Mas não posso ir para casa sem saber o que me prendeu aqui nos últimos vinte minutos. Olhando daqui não dá pra ver nada. Vou esperar essa mulher que está fazendo caminhada passar por aqui e vou até lá dar uma espiada. Só pra ela não achar que sou uma doida entrando no meio do mato. Só pra ter certeza de que não era nada e eu estou exagerando. E, é claro que não pode ser nada. Um. Mexeu. Dois. Mexeu de novo. Mexeu, eu vi! Tenho certeza que mexeu. Devia ter gravado com o celular. Vou lá, chega dessa perda de tempo. Ei, o que é isso? Parece um... não, não pode ser. Acho que já vi em um livro ou algo assim. Só pode ser. Mas quem deixou isso aqui? O que eu faço agora? Eu não devia ter sido tão curiosa. Só porque eu achei virei tipo a dona disso aqui? Será que eu coloco de volta lá onde eu o achei? Mas e se ninguém o achar e ele morrer? Bom, não é problema meu... Mas, já sei. Acho que tem uma echarpe aqui na minha bolsa. Tava aqui. Tava aqui. Achei! Parece que vai dar, mas tenho que pegar com j-e-i-t-i-n-h-o. Tá, peguei. Ai que coisa estranha! Ele mexe mesmo, parece pulsar. Não sei como ele estava mexendo um arbusto tão grande. Acho que estava pulsando mais forte por causa do medo e agora ficou calmo e... até parece meio bonitinho olhando bem. Nunca achei que fosse encontrar um coração assim, de forma tão inesperada! Mas, e agora? Eu não quero e não preciso de um desses. Ainda mais assim, tão indefeso. O cérebro que adotei no ano passado atrás iria matá-lo se eu colocasse os dois juntos lá em casa. Vou... simplesmente... colocá-lo em cima... desse banco. Pronto, assim. Vou deixá-lo aqui para que a próxima pessoa a passar possa lhe dar tudo que eu não tenho. Eu simplesmente não sou a pessoa certa para você, entende? Mas, eu nunca vou me esquecer deste momento. Continue batendo, pulsando, vivendo. Um dia, alguém que lhe queira de verdade vai te encontrar. E sua vida será linda, meu querido. O problema não é você, sou eu. Adeus.

Nevada.

Ao abrir a porta da sala sentiu o vendo gelado soprando o cabelo recém cortado. Ainda não se acostumara com aquela franja a lhe incomodar os olhos, a última moda entre as meninas de sua idade. A neve branca caia do céu em câmera lenta, tocando o chão lentamente e encobrindo tudo que estivesse em seu caminho: telhados, plantas, carros. No entanto, ao longe, podia-se ouvir o som dos carros que tiravam do caminho todo o gelo, misturando-o à lama e a sujeira das ruas. Então, ao notar um raio de sol tocava o solo, ela pode ver que a neve reluzia como se fosse cravejada de diamantes. “O céu nos enviou suas pedras mais preciosas e nós a colocamos de lado, simplesmente para seguir aquele que acreditamos ser o nosso caminho.”

Sim, menina, nós sempre fazemos isso.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Segunda-feira.

Desço do metrô com as pernas bambas. Confiro meu relógio e me surpreendo ao ver que estou adianta pela primeira vez em muito tempo. Caminho alguns metros e avisto a fachada repleta de espelhos, refletindo o céu azul pincelado por algumas nuvens ralas. É como se o inferno estivesse fantasiado de paraíso. Passo por uma das muitas portas de entrada e um calafrio percorre meu corpo, arrepiando os pelos do meu braço. “Não entre aí, vire-se e saia correndo enquanto pode” disse meu coração em batuques descompassados. Respiro fundo e aperto o crachá em minhas mãos: não há o que fazer. Passo pela catraca sob os olhos vigilantes de um funcionário e não recebo resposta ao lhe desejar um bom dia. “Bom dia pra quem?” ele parece ter pensado. De fato, tal voto se parecia mais com uma piada de mal gosto. Sigo as placas que me indicam o andar subterrâneo e desço as escadas sentindo que fico, a cada degrau, mais distantes de tudo aquilo com o qual eu sempre sonhei. A porta bege na parede cinzenta é meu destino final. O leitor pede que eu coloque minha digital no vidro engordurado e, na terceira tentativa, a luz verde acende, como se eu agora fosse livre para seguir em frente. “É justamente o oposto de liberdade que me espera lá dentro”, concluiu meu cérebro ainda atordoado. Reconheço onde devo entrar pois a porta range, balançada pelo vento, como se lamentasse em gemidos o meu destino. Espio para dentro e posso ver todos aqueles seres, inexpressivos, com olhos fixos nas dezenas de telas empoeiradas. Sinto então a poeira dos móveis e máquinas invadir minhas narinas e desejo que o ar volte a circular em meus pulmões. O ar é nitidamente pesado e sujo e a luz entra pelas janelas sujas que se encontram fechadas, mesmo que o ar condicionado não funcione há muito tempo. Os cliques desesperados e as teclas agredidas com violência são o único som do local. Avisto minha cadeira com o estofado manchado e deixo que meu corpo desabe sobre ela, sentindo que cada vértebra da minha coluna reclama da posição desconfortável causada pela espuma gasta do assento. Olho para o relógio e sinto que ele me desafia. “Dez. Tic. Horas. Tac. Dez. Horas. Dez horas. Dezoras”. E segundo após segundo eu o encaro, como se dele dependesse a minha própria vida. Segundo após segundo eu me desvaio em uma poça de inseguranças, medos e decepções. Não há nada a ser feito, nada a ser dito, nada a ser considerado. Este é o fim. A luz deixa de entrar pelas janelas, os sons ficam ainda mais abafados lá fora, tudo está estranhamente fora do lugar, mesmo que nada tenha sido mexido. Mas a verdade é que eu estou fora de lugar, do meu lugar. “Eu é que não deveria estar aqui”, escrevo na tela em branco. E continuo escrevendo, escrevendo e escrevendo para me alimentar de cada letra. Mas choro ao ver que linha após linha, ponto após ponto, tudo é mal julgado e rapidamente jogado fora, como se de nada servisse. Vejo todo o meu eu longe daquilo que era meu. Sem dar por mim, olho pela janela e invejo uma pomba voando livre do lado de fora. Então tomo uma decisão: deixo meu corpo onde está e voo com ela, rumo ao infinito. A partir de hoje, decido, meu corpo que chegue no horário e faça todo o trabalho. E então, quando ele estiver no portão de saída, eu voltarei a preenchê-lo com minha alma livre e sonhadora para juntos voltarmos ao local de onde nunca deveríamos ter saído: os braços do meu amor.